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"Consultório na Rua", uma experiência de humanização no SUS através das PICS em Maringá-PR

Foto do escritor: Paulo Henrique MaiPaulo Henrique Mai

Normalmente nesse espaço não tenho por hábito compartilhar minha experiência profissional no cuidado às pessoas mais vulnerabilizadas, mas abrirei uma exceção copiando a integra da reportagem publicada em 24 de abril de 2024 no portal do CONASEMS que apresentou um pouco do trabalho que tenho realizado nos últimos anos em Maringá, tendo sido premiado na 18ª Mostra Brasil, aqui tem SUS.



Reportagem especial: "Consultório na Rua", uma experiência de humanização no SUS através das PICS em Maringá-PR

Oferecer cuidado à população em situação de rua requer paciência, escuta, sensibilidade e uma grande capacidade de adaptação. Os protocolos tradicionais podem ser ineficazes diante de inúmeras variáveis que impactam no processo saúde-doença. É o que demonstra o trabalho desenvolvido pela equipe do Consultório na Rua (CnR) de Maringá. A estratégia adotada no município paranaense, de cerca de meio milhão de habitantes, é privilegiar a utilização das Práticas Integradas e Complementares (PICS) como uma forma de cuidado que preserva a autonomia.


"A gente não encontra resposta na medicina para tudo. Ela é muito boa nos casos agudos como pneumonia, infarto, o que permitiu que a expectativa de vida quase duplicasse no país. Mas muitas questões que envolvem as patologias acabam esbarrando em aspectos sociais, comportamentais e emocionais. No Consultório na Rua isso fica mais evidente porque temos que levar a clínica ao limite e muitas vezes a gente se esforça e nosso modelo tradicional não dá conta", afirma o médico da equipe, Paulo Henrique Mai.


A experiência pessoal de Paulo o levou a buscar alternativas de cuidado dos pacientes baseadas na utilização das PICS. O médico curou sua dor crônica com acupuntura, fez curso de Terapia Comunitária Integrativa no Ceará e foi em busca de conhecimento sobre o papel dos fitoterápicos na saúde, considerando sua grande produção em Maringá. O trabalho com a equipe, a partir dessa perspectiva, se intensificou através da experiência da enfermeira, que possui também formação em medicina ayurvédica. "A gente foi percebendo que por meio de outros saberes conseguiríamos uma resposta que a medicina não oferecia", complementa.


A equipe, de caráter itinerante, tem um roteiro que prioriza as regiões da cidade com uma maior concentração de pessoas vivendo e habitando as ruas, com pontos estratégicos de atendimento semanalmente. Nas demais regiões de Maringá, os atendimentos são realizados quinzenalmente ou sob demanda. Recentemente, a Secretaria Municipal de Saúde contratou uma segunda equipe de Consultório na Rua, em vista do aumento registrado nessa população nos últimos anos.

"Pensar na rua é pensar em movimento, sobretudo onde tem grande consumo de crack. A gente precisa ir o tempo todo adaptando, reinventando a prática e refletindo sobre nossa capacidade de escuta. A tendência é ver uma infecção e dar um antibiótico de sete dias. Mas em sete dias muitas pessoas tiveram seus pertences roubados; em sete dias a polícia recolheu tudo o que tinham; em sete dias alguns desistiram de fazer uso de antibiótico por medo da interação com o álcool", diz o médico.


Vínculo e humanização

A experiência com a população em situação de rua em Maringá tem demonstrado uma boa aceitação e a eficácia dos fitoterápicos. Os medicamentos à base de plantas medicinais servem, inclusive, como ponto de aproximação entre profissionais de saúde e usuários. Segundo Paulo, a abordagem inicial, nos primeiros dez segundos, é decisiva para definir se o atendimento será bom ou não. "Muitas vezes a pessoa demonstra que não quer conversa, mas oferecemos um fitoterápico para tratar um ferimento no pé em decorrência de dias de caminhada. Quando ela nos encontra outra vez, nos reconhece como aquele que deu a pomada do pé". E logo a notícia boa se espalha.


Pensar na rua é também pensar na fome. A ideia do repouso para o tratamento das doenças é improvável. "A ansiedade causada pelo sintoma é muito maior porque não é só uma dor, é uma vulnerabilidade a mais. Independente do pé torcido, da dor nas costas, ele vai ter que ir atrás de alimentos para não morrer de fome. Nesses casos, a acupuntura, por exemplo, pode trazer uma resolução rápida e possibilitar que continue as atividades da vida diária". Constatou-se  pelo projeto uma redução importante na necessidade de prescrição de analgésicos e anti-inflamatórios para manejo da dor musculoesquelética com a incorporação da acupuntura.


A rua é também um lugar de solidão. Quanto mais tempo lá, menor a confiança nos outros. A Terapia Comunitária Integrativa foi inserida ao projeto para fortalecer o vínculo, a resiliência de grupo e não apenas a resiliência individual - aponta o médico. Considerando que cada grupo de terapia é diferente, porque precisa ser adaptado às condições de seus integrantes, as reuniões geralmente acontecem no Centro de Assistência Social e no albergue municipal, onde é mais fácil conduzir os encontros. 


O Consultório na Rua é um projeto do governo federal que visa levar a atenção em saúde aos locais onde estão as populações mais vulnerabilizadas. Em Maringá, a equipe é composta por enfermeira, técnica de enfermagem , psicóloga, assistente social, motorista e médico de família e comunidade. As PICS utilizadas pelo CnR nos últimos 12 meses foram fitoterapia, acupuntura, auriculoterapia, terapia comunitária integrativa e massagem ayurvédica. O ponto em comum entre os profissionais que decidem trabalhar com populações vulneráveis é o engajamento social.

Paulo, por exemplo, não tinha certeza do que queria fazer antes de prestar vestibular, até folhear em uma biblioteca um exemplar da revista RADIS (da Fiocruz), cuja reportagem principal falava sobre a Estratégia Saúde da Família (ESF). Foi "encantador" se deparar com um trabalho que mudou os indicadores de desnutrição, de mortalidade infantil e de cobertura vacinal no Brasil. Uma foto, no meio da revista, chamou particular atenção: mostrava uma equipe de saúde da família caminhando. A imagem ilustrava o texto sobre a medicina de família e comunidade. "Vi e pensei: é isso que quero fazer. A minha vontade de estar no SUS veio antes da minha vontade de fazer medicina".


O médico tem seis anos de formação, dos quais esteve atuando junto à ESF de um distrito rural, em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e há quatro anos assumiu o trabalho no Consultório na Rua. Hoje ele planeja parcerias com universidades de Maringá para que a experiência seja um campo de estágio, contribuindo com a formação dos futuros profissionais a partir de um olhar diferenciado sobre o cuidado.


De acordo com dados do projeto, entre março de 2022 e março de 2023, foram realizados 881 atendimentos em ruas, praças, serviços de assistência social e outros pontos da rede de saúde municipal. "O horizonte é onde a gente está caminhando para chegar, mas cada passo é muito importante. Centenas de pessoas saíram das ruas porque quiseram, outras precisaram do apoio do serviço público. Todo dia tem gente entrando e todo dia tem gente saindo da rua. As experiências podem ter vínculos em comum, mas cada história é uma história", conclui o jovem atuante do SUS.


 
 
 

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Dr. Paulo Henrique Mai

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