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É possível manter a saúde trabalhando à noite?

Foto do escritor: Paulo Henrique MaiPaulo Henrique Mai

Atualizado: 6 de mar.

Jovem, cheio de energia e disposição, nos meus primeiros anos como médico recém-formado, acreditava que poderia assumir quantos plantões noturnos desejasse. Ledo engano. Logo senti na pele os efeitos da falta de uma rotina de sono e das inúmeras noites mal dormidas. No consultório, da mesma forma, não é raro que pacientes tragam queixas relacionadas à alteração dos horários de trabalho. Neste artigo, compartilho informações e dicas que reuni ao longo dos anos sobre esse tema.


A resposta curta para a questão inicial é: sim, é possível manter a saúde trabalhando à noite, mas não é uma tarefa fácil. A longo prazo, essa rotina pode ser pouco sustentável e a maioria das pessoas não consegue se adaptar bem a ela.


O papel dos hormônios

Nossos corpos estão bem adaptados a rotina diurna, e um arcabouço hormonal é responsável por isso. Quando expostos à condições distintas, precisamos buscar um novo equilíbrio homeostático. Compreender esses mecanismos regulatórios desse processo nos ajuda a minimizar os impactos do trabalho noturno.

Gráfico apontando as variações de cortisol e melatonina conforme o ciclo circadiano
Variações dos hormônios Melatonina e Cortisol conforme o ciclo circadiano

O cortisol é um dos hormônios mais importantes nessa adaptação. Ele auxilia o organismo a lidar com o estresse, reduz inflamações, regula a imunidade e mantém os níveis de glicose e a pressão arterial estáveis. No entanto, quando produzido em excesso por períodos prolongados, pode causar irritabilidade, problemas de memória e concentração, alterações digestivas, dores de cabeça, redução da libido, irregularidades menstruais, dificuldade em engravidar e fadiga. Durante o sono, os níveis de cortisol diminuem, por isso uma rotina de descanso adequada é essencial para seu equilíbrio.


Outro hormônio fundamental é a insulina, que regula o açúcar no sangue e o metabolismo das gorduras. O ser humano, assim como outros mamíferos primatas, tem hábitos diurnos. Na natureza, um indivíduo precisaria ficar acordado à noite apenas em duas situações: quando não conseguiu se alimentar durante o dia ou quando precisaria fugir de um predador. Em ambas as situações, o corpo reduz a ação da insulina para evitar quedas bruscas de glicose. Esse mecanismo, quando ativado de maneira recorrente pelo trabalho noturno, pode levar ao desenvolvimento de resistência à insulina, aumentando o risco de obesidade, diabetes, colesterol alterado e doenças cardiovasculares.


A leptina, outro hormônio relacionado ao metabolismo, é responsável pela sensação de saciedade. Sua produção é acentuada durante o sono, gerando uma sensação de saciedade e possibilitando que durmamos a noite inteira sem acordar inúmeras vezes para buscar comida. Quando não dormimos bem, os níveis de leptina diminuem, levando a um aumento do apetite e a um consumo alimentar desregulado, o que, junto a ação do cortisol e da insulina, pode favorecer o ganho de peso e aumento do risco cardiovascular.


Por fim, apresento a melatonina, um hormônio produzido pelo nosso organismo e liberado no início da noite, quando cai a iluminação natural, porém seu pico de produção ocorre algumas horas após o anoitecer e ajuda a promover o início do sono e um sono mais reparador. De modo geral, a luz inibe a liberação de melatonina, independente de se tratar da luz do sol, de luzes artificiais ou provenientes de telas como de celulares ou computadores. Uma redução na liberação de melatonina cursa tanto com dificuldade de pegar no sono quanto com um sono menos reparador, aquele sono que não nos descansa.


Por fim, a melatonina é o hormônio que regula o ciclo sono-vigília. Sua liberação acontece ao anoitecer e atinge o pico algumas horas depois, promovendo um sono mais profundo e reparador. No entanto, a exposição à luz artificial (lâmpadas, celulares, computadores) inibe sua produção, prejudicando a qualidade do sono.


Esses fatores biológicos deixam claro que, mesmo que nos adaptemos ao trabalho noturno, nosso corpo continua interpretando essa rotina como uma situação de estresse,  promovendo adaptações biológicas, mesmo sem a nossa vontade.


O impacto social do trabalho noturno

Profissionais da saúde, segurança pública, transporte, indústrias e setor de entretenimento muitas vezes não têm alternativa senão atuar nesse período. Além disso, algumas pessoas simplesmente se sentem mais produtivas à noite e optam por trabalhar nesse horário. Quando analisamos os aspectos sociais do trabalho noturno, questões subjetivas ganham relevância e pontos positivos e negativos podem surgir.


Mulher trabalhando a noite em seu computador

Mesmo para as pessoas que se sentem adaptadas ao trabalho noturno, é preciso levar em consideração que a sociedade é majoritariamente organizada para o funcionamento diurno. Serviços essenciais como bancos, mercados e atendimentos médicos operam no horário comercial, dificultando a rotina de quem trabalha à noite. Além disso, a oferta de alimentação saudável tende a ser menor no período noturno, onde predominam fast foods ricos em carboidratos e gorduras.


A vida social também precisa ser adaptada. Muitas atividades com amigos e familiares acontecem durante o dia, e ,para quem tem filhos, os horários escolares e a rotina infantil podem se chocar com o período de descanso dos pais que trabalham à noite. Não é simples fazer as crianças entenderem que os dias de não trabalho precisam ser de descanso, e não de brincadeiras pela casa.


Outro fator crítico é o risco de acidentes. O cansaço para quem intercala turnos diurnos e noturnos pode comprometer a atenção no trajeto de volta para casa, aumentando a probabilidade de colisões e outros incidentes. Há estudos que apontam que os profissionais da saúde que atuam no turno noturno e intercalam turnos incorrem ao maior risco de erros médicos.


Como minimizar os impactos do trabalho noturno?

Se você precisa trabalhar à noite, algumas estratégias podem ajudar a reduzir os danos à saúde:

  1. Adapte-se gradualmente: Antes de iniciar o trabalho noturno, tente mudar seu horário de sono progressivamente, acostumando-se a dormir durante o dia. Se os turnos forem alternados, inicie a adaptação no fim de semana anterior à mudança.

  2. Converse com sua família: para quem não mora sozinho, uma mudança no horário de trabalho afeta diretamente todos que fazem parte do núcleo familiar, de modo que o processo se torna mais tranquilo tendo entendimento de todos.

  3. Mantenha um ambiente adequado para o sono: O quarto deve ser escuro, silencioso e fresco. Se necessário, use cortinas blackout, protetores auriculares ou máscaras de dormir. Evite ter televisão no quarto ou utilizar o ambiente de descanso como espaço de home office.

  4. Evite cafeína e estimulantes perto da hora de dormir: O consumo de cafeína, bebidas energéticas e até nicotina pode prejudicar a qualidade do sono diurno.

  5. Cuide da alimentação: Como apontado acima, muitos dos hormônios relacionados ao sono estão relacionados também ao nosso perfil metabólico e com a alimentação. Opte por refeições leves antes de dormir e evite alimentos ricos em carboidrato durante o turno de trabalho. Uma estratégia alimentar low-carb pode contribuir para minimizar os efeitos metabólicos do trabalho noturno.

  6. Exponha-se à luz durante o turno e evite-a ao sair: A luz artificial forte pode ajudar a manter a vigília enquanto você trabalha, mas ao fim do turno, evite a luz do sol para facilitar a produção de melatonina e induzir o sono.

  7. Pratique atividades físicas regularmente: Pode parecer clichê, mas exercícios ajudam a regular os hormônios do estresse e melhoram a qualidade do sono.

  8. Mantenha acompanhamento médico regular: Profissionais que trabalham à noite devem monitorar sua saúde com mais atenção, especialmente no que se refere ao risco de doenças metabólicas e cardiovasculares. Muitas dessas condições são assintomáticas, mas podem ser detectadas precocemente com um acompanhamento médico regular.


Embora o trabalho noturno traga desafios significativos para a saúde, é possível minimizar seus impactos com planejamento e estratégias adequadas. A chave está em respeitar os sinais do corpo, criar uma rotina de sono consistente e adotar hábitos saudáveis.


Seja por necessidade ou escolha, trabalhar à noite exige mais do organismo e interfere diretamente no nosso metabolismo, de modo que cuidar da saúde deixa de ser facultativo. Buscar hábitos e estilo de vida saudáveis deve ser uma prioridade para quem trabalha no turno da noite.



Paulo Henrique Mai

Médico - CRM/PR 38.165

1 Comment


Eu trabalhei por muito tempo durante a noite. No começo eu achava que não teria problemas, mas depois percebi o quanto envelheci naquele tempo. É um tempo que nunca se recupera.

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