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Quando o ocidente encontra o oriente: considerações sobre a Acupuntura Neurofuncional

Quando a Medicina Convencional se encontra com a Medicina Tradicional Chinesa a primeira impressão costuma ser de estranhamento. A medicina que aprendemos nas universidades tem uma ênfase muito grande em substâncias químicas e os mecanismos que essas substâncias utilizam; não é a toa que muitos médicos, principalmente no início de suas carreiras profissionais, quase que restringem suas atuações a prescrever remédios.

Entendam aqui que em momento nenhum estou criticando o uso de medicações, sem elas muito dificilmente teríamos a qualidade de vida que temos hoje. Mas a verdade é que nem tudo se resolve com remédios e cirurgias. No meu caso, conheci a acupuntura ao me deparar com as limitações da minha clínica quando tive dor. Após quebrar a perna, nenhuma das medicações que eu sabia o nome foi suficiente para aliviar minhas próprias dores, o que mudou minha vida foi a acupuntura.


Imagina a estranheza, para mim, médico, que conhecia a fundo a ação de tantos remédios, voltar a ter qualidade de vida por meio de agulhas que não tinham nada dentro, só agulhas. Então, resolvi pesquisas como essas agulhas funcionavam. Parti pelo caminho que me pareceu mais fácil e sensato naquele momento, pelo caminho que me era familiar da medicina contemporânea ocidental. Foi aí que descobri a Acupuntura Neurofuncional.


Acupuntura Neurofuncional


Vou começar utilizando a acupuntura auricular (auriculoterapia) como exemplo. A Medicina Tradicional Chinesa traz consigo a ideia de microssistemas, que se repetem ao longo do corpo e trazem representação do organismo inteiro; se na orelha há representação de um determinado meridiano, órgão ou estrutura corporal, então pelo estímulo daquele ponto na orelha podemos ter ações a distância, com o objetivo de garantir o equilíbrio energético da região referenciada. Isso foi difícil para mim compreender no início, afinal, cortar com uma lâmina de bisturi a região da orelha que representa a vesícula jamais possibilitaria realizar uma cirurgia de colecistectomia.


Na medicina convencional não existe nada disso, mas se conhece o nervo vago. Esse nervo é responsável pelo que chamamos de sistema autônomo simpático ou parassimpático. Em suma, o nervo vago controla quase tudo que a gente não tem controle voluntário, como a respiração, a frequência dos batimentos cardíacos, o fluxo de alimentos no sistema digestório ou mesmo as contraturas e cólicas uterinas. Esse nervo é um nervo interno, bem distante da superfície do nosso corpo, com exceção da orelha, que é o único ponto do corpo onde o nervo vago se exterioriza e fica em contato direto com a pele.


Por meio do estímulo que as agulhas ou sementes de acupuntura fazem ao nervo vago, é possível modular as ações desse nervo se ele estiver muito ou pouco estimulado. Sim, os chineses, há milênios atrás, sem conhecer sequer a existência de nervos e neurônios, desenvolveram uma estratégia de modulação vagal, capaz de amenizar sintomas e queixas relacionados a tudo que não controlamos voluntariamente, como cólicas menstruais, cólicas abdominais, e até mesmo sintomas ansiosos desencadeados pela liberação de adrenalina, também controlada por esse nervo.


Fiquei fascinado com essa informação, e passei a pesquisar cada vez mais. No livro Dor e Disfunção Miofascial, de Janet Travell, pude descobrir como as agulhas de acupuntura são capazes de gerar contrações musculares em músculos com pontos gatilhos miofasciais, culminando no imediato alívio da dor, o que chamamos na acupuntura neurofuncional de agulhamento seco.


E não se restringia a isso. Os estímulos que as agulhas de acupuntura realizam próximos a feixes vaso-nervosos em diferentes lugares do corpo são capazes de ativar os mecanismos da comporta dor dor, um mecanismo que estudamos na disciplina de anestesiologia, mas que muitas vezes damos pouco valor pois poucas medicações conseguem agir diretamente sobre ele.


No cérebro, após uma sessão de acupuntura constata-se aumento de substâncias como dopamina (substâncias responsáveis pela sensação de prazer e bem estar), serotonina (popularmente conhecida como hormônio da felicidade) e opioides endógenos (ação semelhante às medicações mais fortes que temos para alívio da dor, mas sem nenhum dos efeitos colaterais que essas medicações teriam).


Apenas depois de conhecer tudo isso, alguns dos mecanismos da neurologia e da fisiologia humana que ajudar a explicar o porque da acupuntura funcionar é que fui estudar propriamente a Medicina Tradicional Chinesa, também conhecida como acupuntura tradicional, ou acupuntura sistêmica. Aí foi um choque de realidade, ao me deparar com conceitos completamente novos como Yin, Yang, Zang Fu, Qi, Shen, entre tantos outros que demoraram um longo período para fazerem algum sentido na minha mente. Esse contato com a acupuntura tradicional gerou uma reviravolta na minha cabeça, porque eu acreditava que sabia todas as razões pelas quais a acupuntura funcionava, mas na prática foi possível constatar que muitos dos resultados da acupuntura ainda estão muito longe de serem elucidados pela biomedicina.


A Medicina Tradicional Chinesa é muito ampla. A Acupuntura Neurofuncional caminha no sentido de explicar porque, em termos neurofisiológicos, as descobertas de médicos de 3 mil anos trás funcionam. Algumas dessas descobertas reformulam nossa prática como médicos atuais, mas muito do que foi constatado lá atrás ainda carece de explicação. Na minha opinião, acredito que é possível juntar o que temos de melhor dos dois mundos. Integrando os conhecimentos da medicina ocidental com a oriental podemos garantir uma cuidado integral, muito mais amplo e resolutivo.


Paulo Henrique Mai

Médico de família e acupunturista

CRM/PR 38.165

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