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Dia do Médico de Família e Comunidade: afinal, o que significa “comunidade”?

Ontem, 05 de dezembro, celebramos o Dia do Médico de Família e Comunidade, data que marca a fundação da antiga Sociedade Brasileira de Medicina Geral e Comunitária, hoje Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. A parte do “médico geral” costuma ser facilmente compreendida: alguém que acompanha diferentes condições clínicas, em todas as fases da vida, integrando cuidado e continuidade.


Mas e o “C” de comunidade? Às vezes parece algo distante, quase abstrato. Hoje quero conversar justamente sobre isso.


Somos seres relacionais: nada do que somos nasce isolado.

Abertura do VII Congresso Sul-Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, Porto Alegre, 2022
Abertura do VII Congresso Sul-Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, Porto Alegre, 2022

Esse ponto é fundamental, porém muitas vezes esquecido. A forma como entendemos o mundo, nomeamos as coisas e significamos nossas experiências se dá pela linguagem e, portanto, por meio das relações.


Sabe aquela frase repetida como conselho bem-intencionado: “você precisa se encontrar”, dita para quem atravessa momentos de ansiedade ou depressão? Ela parece profunda, mas pode ser cruel. Isso porque sugere que todas as respostas estão dentro de um “eu” isolado, quando, na prática, grande parte do sofrimento e dos caminhos de cura acontece nas relações, nas trocas, na comunidade.


Veja meu exemplo. Se alguém me pergunta “quem é você?”, posso responder:

“Sou Paulo. Médico. Casado. Cristão. Homem branco, cis. Gosto de caminhar ao fim da tarde. Tenho paixão pela docência e pela escrita. Sonho fazer doutorado. Já escrevi um livro de poemas e mantenho este blog há alguns anos. Acredito em um mundo mais justo e solidário.”


À primeira vista, parece que estou descrevendo características internas. Mas, olhando com mais cuidado, cada elemento que me define existe dentro de um contexto relacional e comunitário.

  • Meu nome é meu nome porque alguém me deu, um cartório o registrou e as pessoas ao meu redor o reconhecem.

  • Minha profissão diz respeito à função que ocupo na sociedade, ao lugar que preencho na manutenção da teia social.

  • Ser casado ou não, assim como ter filhos ou não, define-me em relação a outros, a vínculos concretos.

  • Minha cor e identidade só fazem sentido porque vivemos em uma sociedade plural, marcada por diferenças, desigualdades e histórias coletivas.

  • Até meus gostos pessoais, como caminhar ao entardecer, surgem em diálogo com o ambiente, com minha cidade, com meus afetos, com o contexto em que vivo.


Perceba: o que diz “quem eu sou” não nasce apenas “dentro de mim”, mas nos campos de relação que me moldam: relações culturais, afetivos, sociais, familiares, espirituais.


Nada disso nega a importância do corpo, da biologia ou das emoções individuais. Elas importam, e muito, mas até as emoções ganham sentido e nome pela linguagem, e a linguagem é sempre compartilhada, construída no encontro com o outro.


Alegria, medo, tristeza, ansiedade: todas essas palavras são heranças culturais, modos coletivos de organizar aquilo que sentimos. O que chamamos de “eu” é, em grande parte, uma história que contamos a nós mesmos, história aprendida e sustentada pela comunidade em que crescemos e existimos.


E o que tudo isso tem a ver com Medicina de Família e Comunidade?


Tudo.


O “C” de comunidade lembra que não cuidamos apenas de indivíduos, mas de pessoas inseridas em redes de sentido: famílias, vizinhanças, trabalhos, crenças, narrativas, pertencimentos.


Na prática clínica, isso significa:

  • compreender que sintomas muitas vezes dialogam com contextos,

  • que sofrimento não é apenas biológico,

  • que cuidado acontece também quando fortalecemos vínculos,

  • que saúde é sempre relacional,

  • que ninguém se cura sozinho.


O médico de família e comunidade trabalha no território, na proximidade, acompanhando trajetórias, fazendo ponte entre dimensões biológicas, emocionais, sociais e existenciais.


A comunidade não é um conceito abstrato, é o tecido vivo que sustenta quem somos.


Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem o perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

Fala do personagem Riobaldo, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa


Nesse dia, celebrar a Medicina de Família e Comunidade é lembrar que cuidado não se faz apenas com protocolos: se faz com encontro.




Somos feitos de vínculos. Somos moldados por eles. E é junto, na comunidade, que encontramos caminhos mais verdadeiros de saúde, sentido e pertencimento.




Paulo Henrique Mai Médico de Família e Comunidade

CRM/BA 49.425 - RQE 28.148

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