Por que o Reino Unido desaconselhou o rastreamento universal para câncer de próstata?
- Paulo Henrique Mai

- há 29 minutos
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Nos últimos anos, o debate sobre o rastreamento do câncer de próstata tem ganhado força em diversos países. Agora, o Reino Unido deu um passo importante ao recomendar contra um programa nacional de rastreamento com PSA para todos os homens. O motivo? Segundo o Comitê Nacional de Rastreamento britânico (NSC), a prática “provavelmente causaria mais mal do que benefício”.
Essa afirmação pode surpreender, afinal, câncer de próstata é comum, e o diagnóstico precoce costuma ser associado à ideia de salvar vidas. Mas quando falamos de rastreamento populacional, a questão é mais complexa.
O problema do PSA: bom marcador, péssimo rastreador

O exame do PSA é útil no contexto clínico, quando existe um sintoma ou achado suspeito. Mas, como teste de rastreamento para toda a população, ele apresenta limitações importantes: muitos falsos-positivos, muitos falsos-negativos e, sobretudo, enorme dificuldade em distinguir tumores de baixo risco daqueles realmente agressivos.
Quando se rastreia indiscriminadamente, abre-se a porta para um problema central da saúde pública moderna: o sobrediagnóstico. Ou seja, descobrir tumores que jamais causariam dano, mas que, uma vez identificados, acabam levando homens a biópsias e tratamentos desnecessários. E esses tratamentos não são inofensivos; podem gerar incontinência urinária, disfunção erétil, alterações intestinais e impacto duradouro na qualidade de vida.
O NSC avaliou as evidências e concluiu que, nesse cenário, o PSA como rastreamento não se sustenta. Para algumas pessoas pode parecer uma grande novidade, mas os pesquisadores brasileiros já destacam isso de longa data, a exemplo do Instituto Nacional do Câncer (INCA), que sempre se posicional contrário ao rastreio do Câncer de Próstata de forma indiscriminada.
E para homens negros ou com história familiar?
Interessantemente, o comitê também disse que os dados atuais não justificam rastreamento universal para homens negros ou para aqueles com histórico familiar, mesmo sabendo que esses grupos têm maior risco.
Isso não significa que esses homens não mereçam mais atenção, mas que as evidências existentes ainda são insuficientes para orientar um programa nacional seguro e efetivo.
Esse ponto, no entanto, pode gerar críticas, sobretudo porque homens negros são historicamente sub-representados nas pesquisas e aí surge o paradoxo: faltam dados porque não foram estudados, e não são estudados porque faltam dados robustos para embasar mudanças na política de rastreamento.
A exceção: homens com mutações BRCA1 ou BRCA2
A grande novidade dessa diretriz britânica foi a recomendação de rastreamento direcionado para homens com mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, conhecidos principalmente pelas mulheres devido ao maior risco de câncer de mama e ovário, mas que também aumentam de forma significativa o risco de câncer de próstata agressivo.
Para esse grupo, o NSC propõe rastreamento bienal entre 45 e 61 anos. Alguns especialistas já criticaram esse intervalo, argumentando que tumores agressivos podem evoluir rapidamente e que o limite de idade poderia deixar muitos casos de fora. Essa discussão ainda está aberta, ainda mais pelo fato de que os tumores mais agressivos não necessariamente são os que mais elevam o PSA.
O futuro do rastreamento: medicina de precisão
O Reino Unido aposta agora no grande ensaio clínico chamado TRANSFORM, que combina PSA, testes genéticos e ressonância magnética, buscando um modelo mais inteligente de rastreamento. A ideia não é abandonar o diagnóstico precoce, mas encontrar uma estratégia que realmente salve vidas sem causar danos evitáveis.
O que isso nos ensina no Brasil?
A experiência britânica reforça algo que já conhecemos, mas que nem sempre lembramos: rastreamento não é sinônimo de prevenção, e nem sempre detectar mais significa viver melhor. Em Medicina de Família e Comunidade, lidamos diariamente com essa ambiguidade: equilibrar riscos, benefícios e valores pessoais do paciente.
Também aprendemos que políticas públicas precisam ser guiadas por evidências, mas as evidências precisam incluir todos os grupos populacionais, especialmente aqueles historicamente invisibilizados. Sem isso, o risco é perpetuar desigualdades.
E para o indivíduo?
Mesmo sem rastreamento universal, continuam valendo recomendações clássicas:
conhecer sua história familiar;
discutir riscos e benefícios do PSA com seu médico;
manter hábitos que reduzem risco geral de câncer (atividade física, alimentação equilibrada, sono adequado, manejo do estresse, evitar cigarros e tabaco);
buscar avaliação ao menor sinal de mudança urinária persistente.
Cuidado não se resume a um exame, é processo contínuo, compartilhado e contextualizado.
Para finalizar, fica uma sugestão de leitura: São e Salvo e livre de intervenções médicas desnecessárias. Livro indispensável para quem busca hábitos e estilos de vida mais saudáveis.
Dr. Paulo Henrique Mai
Médico de Família e Acupunturista
Mestre em Ciências da Saúde
CRM/BA 49.425 - RQE 28.147 / 28.148



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